CORAÇÃO DE PAPEL

Ele chorava, e por mais difícil que isso fosse de aceitar ou compreender, ele continuava a chorar, e tudo o que ele queria, por mais incrível que parecesse, era algo que ninguém lhe poderia dar. Não nesta vida, e provavelmente, não numa próxima. Tudo o que ele gostava que lhe tivessem dado era, um coração de papel.

Ao princípio duvidavam do que ele pedia. Enquanto uns se riam, outros, mais sérios, ficavam pasmados com tal pedido. Para quê, quereria ele um coração de Papel, perguntavam-se…

Enquanto alguns deles deixaram-lhe com o seu, ridículo e patético pedido, outros, os mais sérios, tentaram reflectir e discutir com ele, para assim tentarem perceber, porque queria ele um coração de papel.

O coração de papel, chegaram finalmente à conclusão, era nada mais, nada menos, que um coração menos sensível, ou até um coração insensível. Mas, era não só um coração menos sensível, como também um coração, que fosse facilmente reciclável, e reutilizável.

Ele pedira um coração de papel, que fosse fabricado por um papel simples, reles, barato, e que fosse reutilizável, logo reciclável. Ele queria, disse vezes sem conta, um coração que pudesse ser facilmente riscado, borrado, estragado, cortado, esburacado e rasgado, para posteriormente o poder, sem grande demora, ou sofrimento, molhar, amassar, secar, e assim, ao reciclar, criar um “novo” coração de papel.

Reciclando-o, dizia ele, dava-lhe mais gosto de viver, porque assim, segundo ele, o coração poderia, partir-se, magoar-se, cortar-se, rachar-se, sujar-se, atirar-se, e tudo e mais alguma coisa, sem que isso lhe preocupasse muito, pois saberia, que quando ele estivesse bastante mal tratado, poderia, a um simples gesto, praticamente igual ao de um eco-ponto, coloca-lo na sua mesa de trabalho, e começar assim o seu processo de reciclagem.

Eles, os mais sérios, tentaram-lhe explicar, sem no entanto, terem muitos frutos, que um coração de papel, não era a melhor saída. Pois, eles sabiam que mesmo que fosse possível criar um coração de papel, e assim facilitar-lhe, nesse sentido a sua caminhada, essa mesma, deixaria de ter um sentido prático de o ser.

Segundo eles, os mais sérios, a razão para eles continuarem a caminhada, era o facto de terem um coração normal, ou seja, um coração algo susceptível, um coração algo vulnerável. Um coração que ao Cair e Quebrar, poderia, mesmo que demorando o seu tempo, Erguer-se e Reconstruir-se, e assim aprender e perceber, com os seus próprios erros. Eles sabiam, que o coração humano, embora por vezes fraco e ao mesmo tempo duro, era insubstituível e único.

Eles sabiam também, que embora todos nós fossemos, e acrescentaram ainda, sejamos, diferentes, necessitamos de um coração quebrável, mas, ao mesmo tempo, maleável, para assim podermos enfrentar de frente todos os desafios e problemas, que ele nos pudesse facultar ao longo da caminhada, a que eles chamavam de vida.

Mas, agora mais calmo, mas ainda assim, convincente do seu desejo de querer um coração de papel, ele, dizia-lhes, que um coração de papel, de papel reciclável, como ele pedira, jamais se magoaria realmente, quando fosse usado e abusado. Ele dizia-lhes, que esse coração de papel, jamais se alteraria, fosse em que circunstância fosse. E mesmo que fosse reutilizado vezes, e vezes sem conta, ficaria sempre como “novo” a cada reciclagem que fosse alvo.

Mesmo sabendo, que ao reciclar o seu coração de papel, ele poderia, e segundo os mais sérios, certamente o faria, cair nos mesmos erros que a sua “anterior versão” fizera, ele dizia que ao menos não sentiria dor alguma quando isso acontecesse. Segundo ele, esse coração de papel seria completamente insensível, ao toque mais suave ou mais grosso da caneta, esferográfica, lápis, ou lapiseira que o riscasse, ou ao corte mais ou menos fino da tesoura, xis acto, ou faca que ele atravessasse.

Mas no fundo ele sabia, embora os mais sábios ainda não o tivessem notado, que o papel, mesmo sendo reciclável, guardaria para sempre, parte das amarguras pelo que passara. O papel, depois de reciclado, jamais se tornará o mesmo papel que o antecedera. O coração de papel, reciclado, seria como um poço. Um poço muito longo e muito profundo, e iria guardar as todas as suas recordações, embora todas elas, camufladas e perdidas, umas no meio das outras. E, ele sabia, embora não quisesse pensar nesse momento por agora, que o coração de papel, reciclável, acabaria, por mais cedo ou mais tarde, ceder. E ai, nesse dia, ficaria um coração de papel, preto. Preto e Gasto. Gasto pelo uso. Gasto pelas reciclagens. Gasto pela dor. Gasto pela caminhada. Gasto pelo Amor…

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Minerva

História de Um Beijo (Que tarda em chegar)