Café a Dois

Naquela tarde, estavas tu sentada, naquele mesmo canto do café, e pausadamente o tomavas, quando deste pelo olhar dele. Já sabias quem ele era, e já antes tinhas reparado naquele olhar, aquele olhar que te parecia penetrar o Coração, e que te deixava com uma certa ansiedade.

Mas, nesse dia, também tu notaste algo diferente no olhar dele. Aquele olhar que tantos cafés te tinham feito tomar, nesse dia, parecia outro. E isso arrepiou-te... Sentiste uma pequena brisa atravessar-te levemente o corpo, e ainda pensaste que poderia ser algum sinal, mas rapidamente largaste os teus pensamentos, e concentraste-te novamente naquele olhar.

Enquanto olhavas, timidamente, pelo canto do olho, reparaste que o olhar se desviara. Levantou-se e começou a caminhar no teu sentido. Nesse momento sentiste um tremor de terra dentro ti mesma, e sem dares por isso escorreu-te, levemente, uma gota pela testa. Sentiste ainda um calor tremendo, e parecia que tinhas o coração a arder, e quanto mais ele se aproximava, mais derreteste…

A tua alma ia-se derretendo, silenciosamente, enquanto te crescia uma tremenda ânsia. Não sabias o que fazer, nem o que dizer, e então num pequeno instante lembraste-te de tentar-te refrescar, atirando-te para o fundo do café. Desviando, fixamente o olhar para a outra ponta do café, como quem não queria a coisa. Tentado enganar-te a ti mesma, e ao mesmo tempo, ganhar algum tempo…

Nesse momento, ele, que te observava por entre milhares de pensamentos, e que finalmente tinha decidido ir ao teu encontro, estremeceu. Parou… Olhou calmamente para trás, a tentar perceber, para onde o teu olhar se desviara, agora. Nessa altura, o olhar dele, cruzou-se com o dela, que acabara de entrar no café. Ai, os dois olhares prenderam-se um ao outro, de tal forma que parecia terem trocado mil palavras entre eles, naqueles segundos. Não era um olhar qualquer, pois, aquele olhar que os juntou, parecia que já estava predestinado, e parecia que ambos já estavam à espera um do outro.

Reparaste, enquanto tentavas acalmar-te e refrescar-te naquele canto do café, que agora ele caminhava numa direcção oposto. Caminhava em direcção a algo que brilhava na entrada do Café, mas não conseguiste ver bem o que era, e foi a última vez que o viste. Estremeceste. O teu Coração quase parou, e ainda sentiste a tua alma gelar, antes de voltar a aquecer, ao som do despertador a tocar. Acordaste, e rapidamente te deste da realidade, pois, notaste que afinal, ele estava bem ao teu lado.

Santarém Outrobro 2004

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